terça-feira, 14 de outubro de 2008

Fuga


De repente você resolve: fugir
Não sabe para onde nem como
nem por quê (no fundo você sabe
a razão de fugir; nasce com a gente).

É preciso fugir.
Sem dinheiro sem roupa sem destino.
Esta noite mesmo. Quando os outros
estiverem dormindo.
Ir a pé, de pés nus.
Calçar botina era acordar os gritos
que dormem na textura do soalho.

[...]

Fugir agora ou nunca. Vão chorar,
Vão esquecer você? ou vão lembrar-se?
(Lembrar é que é preciso,
compensa toda a fuga.)
Ou vão amaldiçoa-lo, pais da Bíblia?
Você não vai saber. Você não volta
nunca.
(Essa palavra nunca, deliciosa.)
Se irão sofrer, tanto melhor.
Você não volta nunca, nunca, nunca.
E será esta noite, meia-noite.
em ponto.

Você dormindo a meia-noite.
[Drummond]


*** Memorando póstumo: quando te fores embora, nesta tua fuga desesperada de alguma coisa, leva-me junto. Embora, acredito que, na fuga, um pouco do mal que nos repele levamos dentro de nós mesmos... E disto afinal, não poderemos fugir por muito tempo. De qualquer maneira, sempre quis fugir e não mandar mais notícias. Desaparecer. Ser outra pessoa em outro lugar. Começar de novo. Talvez um dia, à meia-noite.

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